Língua Portuguesa - Professora Elaine Cristina
ATIVIDADE DE
LINGUA PORTUGUESA EM CARÁTER EXTRAORDINÁRIO - 1º BIMESTRE/20
ATIVIDADE
1 - A Variação Linguística e o Preconceito Linguístico
1. Observe a imagem a seguir:
Agora responda no caderno:
a) Una as 3 palavras no
meme e forme uma expressão coerente.
b) O que o animal está
fazendo? Quais elementos no meme comprovam isso?
c) Escreva os respectivos
significados da palavra “Ovino”
d) Ainda em relação aos
termos “Ovino”, escreva a qual classe gramatical pertence cada um, de acordo
com o contexto apresentado.
e) Qual o significado da
palavra em amarelo e qual elemento na imagem comprova o seu significado?
f) Se o animal no meme
fosse substituído por outro qualquer, prejudicaria o sentido pretendido? Por
quê?
g) Você já leu ou ouviu a
expressão sugerida no meme? Onde?
h) Na expressão
apresentada no meme há palavras que são comuns à linguagem oral, quais?
i) Qual palavra na
expressão apresentada no meme pertence à linguagem formal?
2. Considerando a
expressão sugerida no meme:
a) Você
acredita que o autor cometeu algum erro, por quê?
b) É incorreto utilizar este tipo de
expressão?
c) Em qual contexto de uso, no texto
escrito, a expressão pode ser usada e em qual não pode? Por quê?
d)
O
ato de tirar sarro de alguém que utilize a expressão sugerida no meme, ou mesmo
considerar que ela não possua conhecimentos, é preconceito? Se sim, de que
tipo?
ATIVIDADE 2: Quem veio primeiro, o ovo
ou a galinha? O que você acha?
Leia a crônica a seguir, em que duas
personagens inusitadas discutem a questão e responda:
DONA CONCEIÇÃO E O SENHOR JOAQUIM
Em uma famosa capoeira na região do
Médio Tejo, o Senhor Galo e a Senhora galinha debatiam Avidamente um assunto
deveras sensível:
“Quem nasceu primeiro: o ovo ou a
galinha?”
O animal heráldico estava consumido em
sua raiva, pois ao discordar de sua posição, a vultuosa Palheirinha o chamara
de “frango”.
- Pois vejas cá, Dona Conceição, me
chamares frango em nada mudará, pois perdes nos teus argumentos e me miras com
teus desaforos.
- Chamei-te frango, porque estavas a
fazer diabruras enquanto eu deitava meus argumentos sobre o assunto. A
propósito, reafirmo: nasceu primeiro a galinha!
- Não, senhora, nasceu primeiro o ovo e
vou provar, pois digo que uma nova descoberta aponta que a galinha veio
primeiro. Segundo os cientistas, a formação da casca do ovo depende de uma
proteína que só é encontrada nos ovários deste tipo de ave. Portanto, o ovo só
existiu depois que surgiu a primeira galinha. A proteína, chamada
ovocledidin-17 (OC-17), atua como um catalisador para acelerar o
desenvolvimento da casca. A sua estrutura rígida é necessária para abrigar a
gema e seus fluidos de proteção enquanto o filhote se desenvolve lá dentro. A
descoberta foi revelada no documento "Structural Control of Crystak
Nucleo by Eggshell Protein", que em tradução livre quer dizer:
Controle Estrutural de Núcleo de Cristais pela Proteína da Casca do Ovo. Na
pesquisa foi utilizado um supercomputador para visualizar de forma ampliada a
formação de um ovo. A máquina, chamada de HECToR, revelou que a OC-17 é
fundamental no início da formação da casca. Essa proteína é quem transforma o
carbonato de cálcio em cristais de calcita, que compõem a casca do ovo. Dr.
Colin Freeman, do Departamento de Engenharia Material da Universidade de
Sheffield, constatou: "há muito tempo se suspeita que o ovo veio primeiro,
mas agora temos a prova científica de que, na verdade, a galinha foi a
precursora."
-Terminaste tua ladainha, Senhor
Joaquim? Pois agora provarei o contrário: “Graças à genética moderna, podemos ter
certeza de que o ovo veio antes. As mutações que separam uma nova espécie de
seus pais geralmente ocorrem no DNA reprodutivo, presente em óvulos e
espermatozoides. É isso que dá origem a novas espécies.” Quem disse isto foi Christopher
Langan, um autodidata americano tido como “homem mais inteligente dos EUA”, com
QI de 195 pontos, e queres discordar de meus argumentos, Sr. Joaquim? Pois
continuarei! Já John Brookfield, especialista em genética da evolução da
Universidade de Nottingham, na Inglaterra afirmou: “Quando a galinha ainda era
um ovo, ainda assim ela era da espécie Gallus gallus. Portanto, a
primeira forma de vida dessa espécie teria que ser um ovo.”
- Mas, Dona Conceição, deixe-me
concluir...
- Ainda não terminei meus argumentos,
oras, gajo! Esperes que direi agora o que David Papineau, especialista em
filosofia da ciência do King’s College de Londres, na Inglaterra disse: “Mesmo
que o pássaro que deu origem ao ovo de galinha não fosse uma galinha, o correto
é dizer que o ovo veio primeiro. Se um canguru botasse um ovo e dele saísse um
avestruz, o ovo seria de avestruz, não de canguru”.
- Discordo de tudo que a senhora
pontuou, Dona Conceição.
- Então derrube os argumentos que ofereci.
- Derrube a senhora os meus, se puder!
- Pois o Senhor é um frango!
- E a senhora, uma maricota!
Após a discussão ambos abandonaram o
recinto e seguiram para seus respectivos poleiros. Ainda hoje ninguém resolveu
essa peleja entre os dois e nem quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha?
A crônica “Dona
Conceição e o Senhor Joaquim” contém dados científicos baseados em:
<https://bit.ly/2RxlLXG>. Acesso em: 21 jan. 2020.
Agora responda no caderno:
1.
Quem são as duas personagens que dão nome à Crônica?
2.
Dona Conceição refere-se ao Senhor Joaquim como “frango” (terceiro parágrafo).
Qual a intenção de Dona Conceição ao fazer isso? Assinale a alternativa correta:
a)
Como Senhor Joaquim é um galo, a intenção dela é usar um sinônimo (palavra cujo
sentido se aproxima do sentido de outra) para referir-se a ele, ou seja,
frango.
b)
Dona Conceição cria um sentido pejorativo para a palavra frango e, ao
referir-se ao Senhor Joaquim dessa forma, tenta diminuí-lo e insultá-lo.
c)
Dona Conceição usa um estrangeirismo. Ela voltará a fazê-lo novamente ao
referir-se ao Senhor Joaquim como “gajo”.
d)
Dona Conceição usa o termo frango porque desconhece a diferença entre frangos e
galos.
3.
Qual a reação do Senhor Joaquim ao ser chamado de “frango”?
4. No
trecho “John Brookfield, especialista em genética da evolução da Universidade
de Nottingham, na Inglaterra afirmou: ‘Quando a galinha ainda era um ovo, ainda
assim ela era da espécie Gallus gallus.’”. O verbo de ligação era é
repetido duas vezes. Nesse enunciado, o efeito causado por essa repetição é:
a) O
verbo, usado de forma repetida, enfatiza a ideia da origem da espécie: a
galinha, já quando era um ovo, estava destinada a se tornar da espécie Gallus
Gallus e não outra qualquer.
b) O
verbo é repetido por um erro cometido pelo narrador de forma intencional: a
galinha era um ovo, mas poderia ser de qualquer espécie depois.
c) O
verbo é repetido para enfatizar apenas uma das duas características essenciais
do ovo: ser da espécie Gallus gallus e ser, portanto, Galo e não
galinha.
d) O
verbo ser é repetido na sentença, mas poderia ser trocado por um sinal de
pontuação (uma vírgula, por exemplo) ou por outro verbo de ligação (ser, estar,
parecer, permanecer, tornar-se) sem prejuízo do efeito de sentido conseguido
com a repetição dele.
5.
Complete: Dona Conceição e Seu Joaquim defendem diferentes pontos de vista
sobre a questão “Quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha”.
Dona
Conceição defende que foi ________________________ e Seu Joaquim que foi
____________________________________.
Atividade 3 - Conto: Leitura, análise e interpretação
Leia o o conto a
seguir:
Feliz Aniversário – Clarice Lispector
A família foi pouco a pouco chegando. Os
que vieram de Olaria estavam muito bem vestidos porque a visita significava ao
mesmo tempo um passeio a Copacabana. A nora de Olaria apareceu de azul-marinho,
com enfeite de paetês e um drapeado disfarçando a barriga sem cinta. O marido
não veio por razões óbvias: não queria ver os irmãos. Mas mandara sua mulher
para que nem todos os laços fossem cortados — e esta vinha com o seu melhor
vestido para mostrar que não precisava de nenhum deles, acompanhada dos três
filhos: duas meninas já de peito nascendo, infantilizadas em babados
cor-de-rosa e anáguas engomadas, e o menino acovardado pelo terno novo e pela
gravata.Tendo Zilda — a filha com quem a aniversariante morava — disposto
cadeiras unidas ao longo das paredes, como numa festa em que se vai dançar, a
nora de Olaria, depois de cumprimentar com cara fechada aos de casa, aboletou-se
numa das cadeiras e emudeceu, a boca em bico, mantendo sua posição de
ultrajada. “Vim para não deixar de vir”, dissera ela a Zilda, e em seguida
sentara-se ofendida. As duas mocinhas de cor-de-rosa e o menino, amarelos e de
cabelo penteado, não sabiam bem que atitude tomar e ficaram de pé ao lado da
mãe, impressionados com seu vestido azul-marinho e com os paetês.
Depois veio a nora de Ipanema com dois
netos e a babá. O marido viria depois. E como Zilda — a única mulher entre os
seis irmãos homens e a única que, estava decidido já havia anos, tinha espaço e
tempo para alojar a aniversariante — e como Zilda estava na cozinha a ultimar
com a empregada os croquetes e sanduíches, ficaram: a nora de Olaria
empertigada com seus filhos de coração inquieto ao lado; a nora de Ipanema na
fila oposta das cadeiras fingindo ocupar-se com o bebê para não encarar a
concunhada de Olaria; a babá ociosa e uniformizada, com a boca aberta.
E à cabeceira da mesa grande a
aniversariante que fazia hoje oitenta e nove anos.
Zilda, a dona da casa, arrumara a mesa
cedo, enchera-a de guardanapos de papel colorido e copos de papelão alusivos à
data, espalhara balões sungados pelo teto em alguns dos quais estava escrito
“Happy Birthday!”, em outros “Feliz Aniversário!” No centro havia
disposto o enorme bolo açucarado. Para adiantar o expediente, enfeitara a mesa
logo depois do almoço, encostara as cadeiras à parede, mandara os meninos
brincar no vizinho para não desarrumar a mesa.
E, para adiantar o expediente, vestira a
aniversariante logo depois do almoço. Pusera-lhe desde então a presilha em
torno do pescoço e o broche, borrifara-lhe um pouco de água-de-colônia para
disfarçar aquele seu cheiro de guardado — sentara-a à mesa. E desde as duas
horas a aniversariante estava sentada à cabeceira da longa mesa vazia, tesa na
sala silenciosa.
De vez em quando consciente dos
guardanapos coloridos. Olhando curiosa um ou outro balão estremecer aos carros
que passavam. E de vez em quando aquela angústia muda: quando acompanhava,
fascinada e impotente, o vôo da mosca em torno do bolo.
Até que às quatro horas entrara a nora
de Olaria e depois a de Ipanema.
Quando a nora de Ipanema pensou que não
suportaria nem um segundo mais a situação de estar sentada defronte da
concunhada de Olaria — que cheia das ofensas passadas não via um motivo para
desfitar desafiadora a nora de Ipanema — entraram enfim José e a família. E mal
eles se beijavam, a sala começou a ficar cheia de gente que ruidosa se
cumprimentava como se todos tivessem esperado embaixo o momento de, em afobação
de atraso, subir os três lances de escada, falando, arrastando crianças
surpreendidas, enchendo a sala — e inaugurando a festa.
Os músculos do rosto da aniversariante
não a interpretavam mais, de modo que ninguém podia saber se ela estava alegre.
Estava era posta á cabeceira. Tratava-se de uma velha grande, magra, imponente
e morena. Parecia oca.
— Oitenta e nove anos, sim senhor! disse
José, filho mais velho agora que Jonga tinha morrido. — Oitenta e nove anos, sim senhora! disse
esfregando as mãos em admiração pública e como sinal imperceptível para todos.
Todos se interromperam atentos e olharam
a aniversariante de um modo mais oficial. Alguns abanaram a cabeça em admiração
como a um recorde. Cada ano vencido pela aniversariante era uma vaga etapa da
família toda. Sim senhor! disseram alguns sorrindo timidamente.
— Oitenta e nove anos!, ecoou Manoel que
era sócio de José. É um brotinho!, disse espirituoso e nervoso, e todos riram,
menos sua esposa.
A
velha não se manifestava.
Alguns não lhe haviam trazido presente
nenhum. Outros trouxeram saboneteira, uma combinação de jérsei, um broche de
fantasia, um vasinho de cactos — nada, nada que a dona da casa pudesse
aproveitar para si mesma ou para seus filhos, nada que a própria aniversariante
pudesse realmente aproveitar constituindo assim uma economia: a dona da casa
guardava os presentes, amarga, irônica.
— Oitenta e nove anos! repetiu Manoel aflito,
olhando para a esposa.
A velha não se manifestava.
Então, como se todos tivessem tido a
prova final de que não adiantava se esforçarem, com um levantar de ombros de
quem estivesse junto de uma surda, continuaram a fazer a festa sozinhos,
comendo os primeiros sanduíches de presunto mais como prova de animação que por
apetite, brincando de que todos estavam morrendo de fome. O ponche foi servido,
Zilda suava, nenhuma cunhada ajudou propriamente, a gordura quente dos
croquetes dava um cheiro de piquenique; e de costas para a aniversariante, que
não podia comer frituras, eles riam inquietos. E Cordélia? Cordélia, a nora
mais moça, sentada, sorrindo.
— Não senhor! respondeu José com falsa
severidade, hoje não se fala em negócios!
—
Está certo, está certo! recuou Manoel depressa, olhando rapidamente para sua
mulher que de longe estendia um ouvido atento.
— Nada de negócios, gritou José, hoje é
o dia da mãe!
Na cabeceira da mesa já suja, os copos
maculados, só o bolo inteiro — ela era a mãe. A aniversariante piscou os olhos.
E quando a mesa estava imunda, as mães
enervadas com o barulho que os filhos faziam, enquanto as avós se recostavam
complacentes nas cadeiras, então fecharam a inútil luz do corredor para acender
a vela do bolo, uma vela grande com um papelzinho colado onde estava escrito
“89″. Mas ninguém elogiou a idéia de Zilda, e ela se perguntou angustiada se
eles não estariam pensando que fora por economia de velas — ninguém se
lembrando de que ninguém havia contribuído com uma caixa de fósforos sequer
para a comida da festa que ela, Zilda, servia como uma escrava, os pés exaustos
e o coração revoltado. Então acenderam a vela. E então José, o líder, cantou
com muita força, entusiasmando com um olhar autoritário os mais hesitantes ou
surpreendidos, “vamos! todos de uma vez!” — e todos de repente começaram a
cantar alto como soldados. Despertada pelas vozes, Cordélia olhou esbaforida.
Como não haviam combinado, uns cantaram em português e outros em inglês.
Tentaram então corrigir: e os que haviam cantado em inglês passaram a
português, e os que haviam cantado em português passaram a cantar bem baixo em
inglês.
Enquanto cantavam, a aniversariante, à
luz da vela acesa, meditava como junto de uma lareira.
Escolheram
o bisneto menor que, debruçado no colo da mãe encorajadora, apagou a chama com
um único sopro cheio de saliva! Por um instante bateram palmas à potência
inesperada do menino que, espantado e exultante, olhava para todos encantado. A
dona da casa esperava com o dedo pronto no comutador do corredor – e acendeu a
lâmpada.
— Viva mamãe!
— Viva vovó!
— Viva D. Anita, disse a vizinha que
tinha aparecido.
— Happy birthday! gritaram os
netos, do Colégio Bennett.
Bateram ainda algumas palmas ralas.
A aniversariante olhava o bolo apagado,
grande e seco.
— Parta o bolo, vovó! disse a mãe dos
quatro filhos, é ela quem deve partir! assegurou incerta a todos, com ar íntimo
e intrigante. E, como todos aprovassem satisfeitos e curiosos, ela se tornou de
repente impetuosa: — parta o bolo, vovó!
E de
súbito a velha pegou na faca. E sem hesitação , como se hesitando um momento
ela toda caísse para a frente, deu a
primeira talhada com punho de assassina.
— Que força, segredou a nora de Ipanema,
e não se sabia se estava escandalizada ou agradavelmente surpreendida. Estava
um pouco horrorizada.
— Há um ano atrás ela ainda era capaz de
subir essas escadas com mais fôlego do que eu, disse Zilda amarga.
Dada a primeira talhada, como se a
primeira pá de terra tivesse sido lançada, todos se aproximaram de prato na
mão, insinuando-se em fingidas acotoveladas de animação, cada um para a sua
pazinha.
Em breve as fatias eram distribuídas
pelos pratinhos, num silêncio cheio de rebuliço. As crianças pequenas, com a
boca escondida pela mesa e os olhos ao nível desta, acompanhavam a distribuição
com muda intensidade. As passas rolavam do bolo entre farelos secos. As
crianças angustiadas viam se desperdiçarem as passas, acompanhavam atentas a
queda.
E
quando foram ver, não é que a aniversariante já estava devorando o seu último
bocado?
E por assim dizer a festa estava
terminada. Cordélia olhava ausente para todos, sorria.
— Já lhe disse: hoje não se fala em negócios!
respondeu José radiante.
— Está certo, está certo! recolheu-se
Manoel conciliador sem olhar a esposa que não o desfitava. Está certo, tentou
Manoel sorrir e uma contração passou-lhe rápido pelos músculos da cara.
— Hoje é dia da mãe! disse José.
Na
cabeceira da mesa, a toalha manchada de coca-cola, o bolo desabado, ela era a
mãe. A aniversariante piscou. Eles se mexiam agitados, rindo, a sua família. E
ela era a mãe de todos. E se de repente não se ergueu, como um morto se levanta
devagar e obriga mudez e terror aos vivos, a aniversariante ficou mais dura na
cadeira, e mais alta. Ela era a mãe de todos. E como a presilha a sufocasse,
ela era a mãe de todos e, impotente à cadeira, desprezava-os. E olhava-os
piscando. Todos aqueles seus filhos e netos e bisnetos que não passavam de
carne de seu joelho, pensou de repente como se cuspisse. Rodrigo, o neto de
sete anos, era o único a ser a carne de seu coração, Rodrigo, com aquela
carinha dura, viril e despenteada. Cadê Rodrigo? Rodrigo com olhar sonolento e
intumescido naquela cabecinha ardente, confusa. Aquele seria um homem. Mas,
piscando, ela olhava os outros, a aniversariante. Oh o desprezo pela vida que
falhava. Como?! como tendo sido tão forte pudera dar á luz aqueles seres
opacos, com braços moles e rostos ansiosos? Ela, a forte, que casara em hora e
tempo devidos com um bom homem a quem, obediente e independente, ela
respeitara; a quem respeitara e que lhe fizera filhos e lhe pagara os partos e
lhe honrara os resguardos. O tronco fora bom. Mas dera aqueles azedos e
infelizes frutos, sem capacidade sequer para uma boa alegria. Como pudera ela
dar à luz aqueles seres risonhos, fracos, sem austeridade? O rancor roncava no
seu peito vazio. Uns comunistas, era o que eram; uns comunistas. Olhou-os com sua cólera de velha. Pareciam
ratos se acotovelando, a sua família. Incoercível, virou a cabeça e com força
insuspeita cuspiu no chão.
— Mamãe! gritou mortificada a dona da
casa. Que é isso, mamãe! gritou ela passada de vergonha, e não queria sequer
olhar os outros, sabia que os desgraçados se entreolhavam vitoriosos como se
coubesse a ela dar educação à velha, e não faltaria muito para dizerem que ela
já não dava mais banho na mãe, jamais compreenderiam o sacrifício que ela
fazia. — Mamãe, que é isso! — disse baixo, angustiada. — A senhora nunca fez
isso! — acrescentou alto para que todos ouvissem, queria se agregar ao espanto
dos outros, quando o galo cantar pela terceira vez renegarás tua mãe. Mas seu
enorme vexame suavizou-se quando ela percebeu que eles abanavam a cabeça como
se estivessem de acordo que a velha não passava agora de uma criança.
— Ultimamente ela deu pra cuspir,
terminou então confessando contrita para todos.
Todos olharam a aniversariante,
compungidos, respeitosos, em silêncio.
Pareciam
ratos se acotovelando, a sua família. Os meninos, embora crescidos —
provavelmente já além dos cinqüenta anos, que sei eu! — os meninos ainda
conservavam os traços bonitinhos. Mas que mulheres haviam escolhido! E que
mulheres os netos — ainda mais fracos e mais azedos — haviam escolhido. Todas
vaidosas e de pernas finas, com aqueles colares falsificados de mulher que na
hora não agüenta a mão, aquelas mulherezinhas que casavam mal os filhos, que
não sabiam pôr uma criada em seu lugar, e todas elas com as orelhas cheias de
brincos — nenhum, nenhum de ouro! A raiva a sufocava.
— Me dá um copo de vinho! disse.
O silêncio se fez de súbito, cada um com
o copo imobilizado na mão.
— Vovozinha, não vai lhe fazer mal?
insinuou cautelosa a neta roliça e baixinha.
— Que vovozinha que nada! explodiu
amarga a aniversariante. — Que o diabo vos carregue, corja de maricas, cornos e
vagabundas! me dá um copo de vinho, Dorothy! — ordenou.
Dorothy não sabia o que fazer, olhou para
todos em pedido cômico de socorro. Mas, como máscaras isentas e inapeláveis, de
súbito nenhum rosto se manifestava. A festa interrompida, os sanduíches
mordidos na mão, algum pedaço que estava na boca a sobrar seco, inchando tão fora
de hora a bochecha. Todos tinham ficado cegos, surdos e mudos, com croquetes na
mão. E olhavam impassíveis.
Desamparada, divertida, Dorothy deu o
vinho: astuciosamente apenas dois dedos no copo. Inexpressivos, preparados,
todos esperaram pela tempestade.
Mas não só a aniversariante não explodiu
com a miséria de vinho que Dorothy lhe dera como não mexeu no copo. Seu olhar
estava fixo, silencioso. Como se nada tivesse acontecido.
Todos se entreolharam polidos, sorrindo
cegamente, abstratos como se um cachorro tivesse feito pipi na sala. Com
estoicismo, recomeçaram as vozes e risadas. A nora de Olaria, que tivera o seu
primeiro momento uníssono com os outros quando a tragédia vitoriosamente
parecia prestes a se desencadear, teve que retornar sozinha à sua severidade,
sem ao menos o apoio dos três filhos que agora se misturavam traidoramente com
os outros. De sua cadeira reclusa, ela analisava crítica aqueles vestidos sem
nenhum modelo, sem um drapeado, a mania que tinham de usar vestido preto com
colar de pérolas, o que não era moda coisa nenhuma, não passava era de
economia. Examinando distante os sanduíches que quase não tinham levado
manteiga. Ela não se servira de nada, de nada! Só comera uma coisa de cada,
para experimentar.
E por assim dizer, de novo a festa
estava terminada. As pessoas ficaram sentadas benevolentes. Algumas com a atenção voltada para dentro de
si, à espera de alguma coisa a dizer. Outras vazias e expectantes, com um
sorriso amável, o estômago cheio daquelas porcarias que não alimentavam mas
tiravam a fome. As crianças, já incontroláveis, gritavam cheias de vigor. Umas
já estavam de cara imunda; as outras, menores, já molhadas; a tarde cala
rapidamente. E Cordélia, Cordélia olhava ausente, com um sorriso estonteado,
suportando sozinha o seu segredo. Que é que ela tem? alguém perguntou com uma
curiosidade negligente, indicando-a de longe com a cabeça, mas também não
responderam. Acenderam o resto das luzes para precipitar a tranqüilidade da
noite, as crianças começavam a brigar. Mas as luzes eram mais pálidas que a
tensão pálida da tarde. E o crepúsculo de Copacabana, sem ceder, no entanto se
alargava cada vez mais e penetrava pelas janelas como um peso.
— Tenho que ir, disse perturbada uma das
noras levantando-se e sacudindo os farelos da saia. Vários se ergueram
sorrindo.
A aniversariante recebeu um beijo
cauteloso de cada um como se sua pele tão infamiliar fosse uma armadilha. E,
impassível, piscando, recebeu aquelas palavras propositadamente atropeladas que
lhe diziam tentando dar um final arranco de efusão ao que não era mais senão
passado: a noite já viera quase totalmente. A luz da sala parecia então mais
amarela e mais rica, as pessoas envelhecidas. As crianças já estavam
histéricas.
—
Será que ela pensa que o bolo substitui o jantar, indagava-se a velha nas suas
profundezas.
Mas
ninguém poderia adivinhar o que ela pensava. E para aqueles que junto da porta
ainda a olharam uma vez, a aniversariante era apenas o que parecia ser: sentada
à cabeceira da mesa imunda, com a mão fechada sobre a toalha como encerrando um
cetro, e com aquela mudez que era a sua última palavra. Com um punho fechado sobre a mesa, nunca
mais ela seria apenas o que ela pensasse. Sua aparência afinal a ultrapassara
e, superando-a, se agigantava serena. Cordélia olhou-a espantada. O punho mudo
e severo sobre a mesa dizia para a infeliz nora que sem remédio amava talvez
pela última vez: É preciso que se saiba. É preciso que se saiba. Que a vida é
curta. Que a vida é curta.
Porém nenhuma vez mais repetiu. Porque a
verdade era um relance. Cordélia olhou-a estarrecida. E, para nunca mais,
nenhuma vez repetiu — enquanto Rodrigo, o neto da aniversariante, puxava a mão
daquela mãe culpada, perplexa e desesperada que mais uma vez olhou para trás
implorando à velhice ainda um sinal de que uma mulher deve, num ímpeto
dilacerante, enfim agarrar a sua derradeira chance e viver. Mais uma vez
Cordélia quis olhar.
Mas a esse novo olhar — a aniversariante
era uma velha à cabeceira da mesa.
Passara o relance. E arrastada pela mão
paciente e insistente de Rodrigo a nora seguiu-o espantada.
— Nem todos têm o privilégio e o orgulho
de se reunirem em torno da mãe, pigarreou José lembrando-se de que Jonga é quem
fazia os discursos.
— Da mãe, vírgula! riu baixo a sobrinha,
e a prima mais lenta riu sem achar graça.
— Nós temos, disse Manoel acabrunhado
sem mais olhar para a esposa. Nós temos esse grande privilégio disse distraído
enxugando a palma úmida das mãos.
Mas não era nada disso, apenas o
mal-estar da despedida, nunca se sabendo ao certo o que dizer, José esperando
de si mesmo com perseverança e confiança a próxima frase do discurso. Que não
vinha. Que não vinha. Que não vinha. Os
outros aguardavam. Como Jonga fazia falta nessas horas — José enxugou a testa
com o, lenço — como Jonga fazia falta nessas horas! Também fora o único a quem
a velha sempre aprovara e respeitara, e isso dera a Jonga tanta segurança. E
quando ele morrera, a velha nunca mais falara nele, pondo um muro entre sua
morte e os outros. Esquecera-o talvez. Mas não esquecera aquele mesmo olhar
firme e direto com que desde sempre olhara os outros filhos, fazendo-os sempre
desviar os olhos. Amor de mãe era duro de suportar: José enxugou a testa,
heróico, risonho.
E de repente veio a frase:
— Até o ano que vem! disse José
subitamente com malícia, encontrando, assim, sem mais nem menos, a frase certa:
uma indireta feliz! Até o ano que vem, hein?, repetiu com receio de não ser
compreendido.
Olhou-a,
orgulhoso da artimanha da velha que espertamente sempre vivia mais um ano.
— No ano que vem nos veremos diante do
bolo aceso! esclareceu melhor o filho Manoel, aperfeiçoando o espírito do
sócio. Até o ano que vem, mamãe! e diante do bolo aceso! disse ele bem
explicado, perto de seu ouvido, enquanto olhava obsequiador para José. E a
velha de súbito cacarejou um riso frouxo, compreendendo a alusão.
Então ela abriu a boca e disse:
— Pois é.
Estimulado
pela coisa ter dado tão inesperadamente certo, José gritou-lhe emocionado,
grato, com os olhos úmidos:
— No ano que vem nos veremos, mamãe!
— Não sou surda! disse a aniversariante
rude, acarinhada.
Os filhos se olharam rindo, vexados,
felizes. A coisa tinha dado certo.
As crianças foram saindo alegres, com o
apetite estragado. A nora de Olaria deu um cascudo de vingança no filho alegre
demais e já sem gravata. As escadas eram difíceis, escuras, incrível insistir
em morar num prediozinho que seria fatalmente demolido mais dia menos dia, e na
ação de despejo Zilda ainda ia dar trabalho e querer empurrar a velha para as
noras — pisado o último degrau, com alívio os convidados se encontraram na
tranqüilidade fresca da rua. Era noite, sim. Com o seu primeiro arrepio.
Adeus, até outro dia, precisamos nos
ver. Apareçam, disseram rapidamente. Alguns conseguiram olhar nos olhos dos
outros com uma cordialidade sem receio. Alguns abotoavam os casacos das
crianças, olhando o céu à procura de um sinal do tempo. Todos sentindo
obscuramente que na despedida se poderia talvez, agora sem perigo de
compromisso, ser bom e dizer aquela palavra a mais — que palavra? eles não
sabiam propriamente, e olhavam-se sorrindo, mudos. Era um instante que pedia
para ser vivo. Mas que era morto.
Começaram a se separar, andando meio de costas, sem saber como se desligar dos
parentes sem brusquidão.
— Até o ano que vem! repetiu José a
indireta feliz, acenando a mão com vigor efusivo, os cabelos ralos e brancos
esvoaçavam. Ele estava era gordo, pensaram, precisava tomar cuidado com o
coração. Até o ano que vem! gritou José eloqüente e grande, e sua altura
parecia desmoronável. Mas as pessoas já afastadas não sabiam se deviam rir alto
para ele ouvir ou se bastaria sorrir mesmo no escuro. Além de alguns pensarem
que felizmente havia mais do que uma brincadeira na indireta e que só no
próximo ano seriam obrigados a se encontrar diante do bolo aceso; enquanto que
outros, já mais no escuro da rua, pensavam se a velha resistiria mais um ano ao
nervoso e à impaciência de Zilda, mas eles sinceramente nada podiam fazer a
respeito: “Pelo menos noventa anos”, pensou melancólica a nora de Ipanema.
“Para completar uma data bonita”, pensou sonhadora.
Enquanto
isso, lá em cima, sobre escadas e contingências, estava a aniversariante
sentada à cabeceira da mesa, ereta, definitiva, maior do que ela mesma. Será
que hoje não vai ter jantar, meditava ela. A morte era o seu mistério.
Clarice Lispector Extraído do
livro Laços de Família, Editora Rocco – Rio de Janeiro, 1998.
Agora responda no caderno:
1.
Qual e o acontecimento significativo a partir do qual a
narrativa se desenvolve no conto ”Feliz aniversario”?
2.
A partir desse acontecimento,
quais são os principais temas trabalhados na narrativa do conto?
3.
No texto existe um personagem aniversariante. Com base nessa
informação, responda às questões
a)
Quem é essa personagem?
b)
De acordo com o texto, qual parece ser o comportamento da
personagem com relação ao aniversário?
4.
Como o narrador caracteriza a aniversariante do conto “Feliz
aniversario”?
5.
O conto “Feliz aniversário” retrata uma pessoa idosa que parecem
não estar confortável com a festa do próprio aniversário. Na sua opinião, o que
poderia ser feito para que ela se divertisse durante a festa?
6. Analise as afirmações
sobre o conto “Feliz aniversário”, de Clarice Lispector. Marque F para as
falsas e V para as verdadeiras.
a) ( ) O narrador é um
personagem que participa da festa de aniversário.
b) ( ) O narrador relata as ações em 3a pessoa.
c) ( ) O narrador conhece os sentimentos do personagem principal.
d) ( ) O narrador não conhece
os sentimentos ou opiniões dos personagens.
7. Releia este trecho do conto “Feliz aniversário”, de Clarice
Lispector.
Pusera-lhe desde então a
presilha em torno do pescoço e o broche, borrifara-lhe um pouco de
água-de-colônia para disfarçar aquele seu cheiro de guardado (…).
a)
O que significa a expressão “cheiro de guardado” nesse contexto?
b)
Como essa expressão
contribui para a caracterização da personagem feita pelo narrador do conto?
Justifique sua resposta.
c)
As ações da personagem
Zilda, filha com quem a aniversariante mora, demonstram que ela está preocupada
com alguma coisa. Em sua opinião, o que seria?
Atividade
4 – Produção textual – Crônica
Crônicas são gêneros textuais
curtos, escritos geralmente para publicação em jornais ou revistas.
O assunto das crônicas tem origem no
cotidiano, isto é, nos fatos do dia a dia. Elas tanto podem divertir como
sugerir reflexões que despertem a consciência do leitor para certos aspectos da
vida. Em geral, as crônicas são narradas em linguagem leve, descontraída e acessível.
`
Pense em um acontecimento do cotidiano e
produza uma crônica, considerando os seguintes elementos:
1.
Planeje a crônica considerando os três momentos principais da
ação na narrativa. Lembre-se de que os fatos devem manter entre si uma relação
de causa e consequência.
2.
Pense em como será o narrador da crônica: ele vai contar a
história como se tivesse presenciado os fatos ou ele será um dos personagens
que participam da história? Lembre-se de que o narrador pode fazer reflexões,
comentários e críticas ao contar a história.
3.
Defina quantos personagens haverá e como eles serão.
4.
Defina o lugar onde aconteceram os fatos. Você deve descrevê-los.
5.
Apresente as falas e os pensamentos do personagem. Se houver
mais de um personagem, crie diálogos entre eles. Lembre-se de marcar as falas
com parágrafos e travessões.
6.
Procure usar uma linguagem descontraída, própria da crônica. A
linguagem também deve estar adequada à faixa etária dos personagens.
7.
Lembre-se de criar um desfecho inesperado, como o das crônicas
apresentadas nesta unidade. O desfecho deve estar de acordo com os fatos
narrados.
8.
Escreva o texto, com no
mínimo 20 linhas e no máximo, 30 linhas.
Revise a crônica,
observando se todas as orientações foram seguidas. Para isso, considere os
seguintes aspectos:
• O texto está claro? O
leitor vai entendê-lo?
• Caso o texto tenha sido
escrito à mão, a letra está legível?
• O texto está dividido em
parágrafos? Há margens para os parágrafos?
• Você consultou um
dicionário para conferir a grafia das palavras quando teve dúvidas durante a
escrita?
• Foi utilizada letra
maiúscula no início de nomes próprios, frases e parágrafos? As frases estão pontuadas?
• O título está adequado?
• A crônica apresenta os
três momentos principais da ação? Há relação de causa e conseqüência entre os
acontecimentos?
• O texto tem as
características do gênero crônica? Por
exemplo, ele mostra uma situação relacionada ao cotidiano?
• A linguagem está
adequada às finalidades do gênero e ao público a que se destina?
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