Professora
Liria Bordinhao – Semana de 18 a 22 de maio
Primeiros anos Ensino Médio – 1ª, 1B,
1C
Habilidades – Identificar recursos semânticos expressos
em textos diversos
Identificar estrutura e características do gênero
literário – Conto
Reconhecer textos literários
- pesquisa
Tema:
Estrutura de texto Narrativo – Conto literário
Aula disponível no Centro de Midias - Machado de
Assis site: https://www.pebsp.com/assista-as-aulas-gravadas-do-cmsp-gratuitamente/
1 – Leia o texto “ Tragédia brasileira” de Manuel
Bandeira – Apostila APRENDER SEMPRE – exercício 3 e responder as questões. (responder na própria apostila).
Fotografar e enviar para e-mail.
2 – LEIA o conto
“O espelho” de Machado de Assis e
escreva quais são as personagens, o enredo principal, o tempo da narrativa e o
espaço (local) onde ocorre a historia. Faça suas considerações pessoais sobre a
leitura(se gostou e por que) e um pequeno resumo da sua leitura.
O espelho
Esboço de uma nova teoria da alma humana
Quatro ou cinco cavalheiros
debatiam, uma noite, várias questões de alta transcendência, sem que a
disparidade dos votos trouxesse a menor alteração aos espíritos. A casa ficava
no morro de Santa Teresa, a sala era pequena, alumiada a velas, cuja luz
fundia-se misteriosamente com o luar que vinha de fora. Entre a cidade, com as
suas agitações e aventuras, e o céu, em que as estrelas pestanejavam, através
de uma atmosfera límpida e sossegada, estavam os nossos quatro ou cinco
investigadores de coisas metafísicas, resolvendo amigavelmente os mais árduos
problemas do universo. Por que quatro ou cinco? Rigorosamente eram quatro os
que falavam; mas, além deles, havia na sala um quinto personagem, calado,
pensando, cochilando, cuja espórtula no debate não passava de um ou outro
resmungo de aprovação. Esse homem tinha a mesma idade dos companheiros, entre
quarenta e cinqüenta anos, era provinciano, capitalista, inteligente, não sem
instrução, e, ao que parece, astuto e cáustico. Não discutia nunca; e
defendia-se da abstenção com um paradoxo, dizendo que a discussão é a forma
polida do instinto batalhador, que jaz no homem, como uma herança bestial; e
acrescentava que os serafins e os querubins não controvertiam nada, e, aliás,
eram a perfeição espiritual e eterna. Como desse esta mesma resposta naquela
noite, contestou-lha um dos presentes, e desafiou-o a demonstrar o que dizia,
se era capaz. Jacobina (assim se chamava ele) refletiu um instante, e
respondeu: - Pensando bem, talvez o senhor tenha razão. Vai senão quando, no
meio da noite, sucedeu que este casmurro usou da palavra, e não dois ou três
minutos, mas trinta ou quarenta. A conversa, em seus meandros, veio a cair na
natureza da alma, ponto que dividiu radicalmente os quatro amigos. Cada cabeça,
cada sentença; não só o acordo, mas a mesma discussão tornou-se difícil, senão
impossível, pela multiplicidade das questões que se deduziram do tronco
principal e um pouco, talvez, pela inconsistência dos pareceres. Um dos
argumentadores pediu ao Jacobina alguma opinião, - uma conjetura, ao menos. -
Nem conjetura, nem opinião, redargüiu ele; uma ou outra pode dar lugar a
dissentimento, e, como sabem, eu não discuto. Mas, se querem ouvir-me calados,
posso contar-lhes um caso de minha vida, em que ressalta a mais clara
demonstração acerca da matéria de que se trata. Em primeiro lugar, não há uma
só alma, há duas... - Duas? - Nada menos de duas almas. Cada criatura humana
traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de
fora para entro... Espantem-se à vontade, podem ficar de boca aberta, dar de
ombros, tudo; não admito réplica. Se me replicarem, acabo o charuto e vou
dormir. A alma exterior pode ser um espírito, um fluido, um homem, muitos
homens, um objeto, uma operação. Há casos, por exemplo, em que um simples botão
de camisa é a alma exterior de uma pessoa; - e assim também a polca, o
voltarete, um livro, uma máquina, um par de botas, uma cavatina, um tambor, etc.
Está claro que o ofício dessa segunda alma é transmitir a vida, como a
primeira; as duas completam o homem, que é, metafisicamente falando, uma
laranja. Quem perde uma das metades, perde naturalmente metade da existência; e
casos há, não raros, em que a perda da alma exterior implica a da existência
inteira. Shylock, por exemplo. A alma exterior aquele judeu eram os seus
ducados; perdê-los equivalia a morrer. "Nunca mais verei o meu ouro, diz
ele a Tubal; é um punhal que me enterras no coração." Vejam bem esta
frase; a perda dos ducados, alma exterior, era a morte para ele. Agora, é
preciso saber que a alma exterior não é sempre a mesma... - Não? - Não, senhor;
muda de natureza e de estado. Não aludo a certas almas absorventes, como a
pátria, com a qual disse o Camões que morria, e o poder, que foi a alma
exterior de César e de Cromwell. São almas enérgicas e exclusivas; mas há
outras, embora enérgicas, de natureza mudável. Há cavalheiros, por exemplo,
cuja alma exterior, nos primeiros anos, foi um chocalho ou um cavalinho de pau,
e mais tarde uma provedoria de irmandade, suponhamos. Pela minha parte, conheço
uma senhora, - na verdade, gentilíssima, - que muda de alma exterior cinco,
seis vezes por ano. Durante a estação lírica é a ópera; cessando a estação, a
alma exterior substitui-se por outra: um concerto, um baile do Cassino, a rua
do Ouvidor, Petrópolis... - Perdão; essa senhora quem é? - Essa senhora é
parenta do diabo, e tem o mesmo nome; chama-se Legião... E assim outros mais
casos. Eu mesmo tenho experimentado dessas trocas. Não as relato, porque iria
longe; restrinjo-me ao episódio de que lhes falei. Um episódio dos meus vinte e
cinco anos... Os quatro companheiros, ansiosos de ouvir o caso prometido,
esqueceram a controvérsia. Santa curiosidade! tu não és só a alma da
civilização, és também o pomo da concórdia, fruta divina, de outro sabor que
não aquele pomo da mitologia. A sala, até há pouco ruidosa de física e
metafísica, é agora um mar morto; todos os olhos estão no Jacobina, que
conserta a ponta do charuto, recolhendo as memórias. Eis aqui como ele começou
a narração: - Tinha vinte e cinco anos, era pobre, e acabava de ser nomeado
alferes da Guarda Nacional. Não imaginam o acontecimento que isto foi em nossa
casa. Minha mãe ficou tão orgulhosa! tão contente! Chamava-me o seu alferes.
Primos e tios, foi tudo uma alegria sincera e pura. Na vila, note-se bem, houve
alguns despeitados; choro e ranger de dentes, como na Escritura; e o motivo não
foi outro senão que o posto tinha muitos candidatos e que esses perderam.
Suponho também que uma parte do desgosto foi inteiramente gratuita: nasceu da
simples distinção. Lembra-me de alguns rapazes, que se davam comigo, e passaram
a olhar-me de revés, durante algum tempo. Em compensação, tive muitas pessoas
que ficaram satisfeitas com a nomeação; e a prova é que todo o fardamento me
foi dado por amigos... Vai então uma das minhas tias, D. Marcolina, viúva do
Capitão Peçanha, que morava a muitas léguas da vila, num sítio escuso e
solitário, desejou ver-me, e pediu que fosse ter com ela e levasse a farda.
Fui, acompanhado de um pajem, que daí a dias tornou à vila, porque a tia
Marcolina, apenas me pilhou no sítio, escreveu a minha mãe dizendo que não me
soltava antes de um mês, pelo menos. E abraçava-me! Chamava-me também o seu
alferes. Achava-me um rapagão bonito. Como era um tanto patusca, chegou a
confessar que tinha inveja da moça que houvesse de ser minha mulher. Jurava que
em toda a província não havia outro que me pusesse o pé adiante. E sempre
alferes; era alferes para cá, alferes para lá, alferes a toda a hora. Eu
pedia-lhe que me chamasse Joãozinho, como dantes; e ela abanava a cabeça,
bradando que não, que era o "senhor alferes". Um cunhado dela, irmão
do finado Peçanha, que ali morava, não me chamava de outra maneira. Era o
"senhor alferes", não por gracejo, mas a sério, e à vista dos
escravos, que naturalmente foram pelo mesmo caminho. Na mesa tinha eu o melhor
lugar, e era o primeiro servido. Não imaginam. Se lhes disser que o entusiasmo
da tia Marcolina chegou ao ponto de mandar pôr no meu quarto um grande espelho,
obra rica e magnífica, que destoava do resto da casa, cuja mobília era modesta
e simples... Era um espelho que lhe dera a madrinha, e que esta herdara da mãe,
que o comprara a uma das fidalgas vindas em 1808 com a corte de D. João VI. Não
sei o que havia nisso de verdade; era a tradição. O espelho estava naturalmente
muito velho; mas via-se-lhe ainda o ouro, comido em parte pelo tempo, uns
delfins esculpidos nos ângulos superiores da moldura, uns enfeites de
madrepérola e outros caprichos do artista. Tudo velho, mas bom... - Espelho
grande? - Grande. E foi, como digo, uma enorme fineza, porque o espelho estava
na sala; era a melhor peça da casa. Mas não houve forças que a demovessem do propósito;
respondia que não fazia falta, que era só por algumas semanas, e finalmente que
o "senhor alferes" merecia muito mais. O certo é que todas essas
coisas, carinhos, atenções, obséquios, fizeram em mim uma transformação, que o
natural sentimento da mocidade ajudou e completou. Imaginam, creio eu? - Não. -
O alferes eliminou o homem. Durante alguns dias as duas naturezas
equilibraram-se; mas não tardou que a primitiva cedesse à outra; ficou-me uma
parte mínima de humanidade. Aconteceu então que a alma exterior, que era dantes
o sol, o ar, o campo, os olhos das moças, mudou de natureza, e passou a ser a
cortesia e os rapapés da casa, tudo o que me falava do posto, nada do que me
falava do homem. A única parte do cidadão que ficou comigo foi aquela que entendia
com o exercício da patente; a outra dispersou-se no ar e no passado. Custa-lhes
acreditar, não? - Custa-me até entender, respondeu um dos ouvintes. - Vai
entender. Os fatos explicarão melhor os sentimentos: os fatos são tudo. A
melhor definição do amor não vale um beijo de moça namorada; e, se bem me
lembro, um filósofo antigo demonstrou o movimento andando. Vamos aos fatos.
Vamos ver como, ao tempo em que a consciência do homem se obliterava, a do
alferes tornava-se viva e intensa. As dores humanas, as alegrias humanas, se
eram só isso, mal obtinham de mim uma compaixão apática ou um sorriso de favor.
No fim de três semanas, era outro, totalmente outro. Era exclusivamente
alferes. Ora, um dia recebeu a tia Marcolina uma notícia grave; uma de suas filhas,
casada com um lavrador residente dali a cinco léguas, estava mal e à morte.
Adeus, sobrinho! adeus, alferes! Era mãe extremosa, armou logo uma viagem,
pediu ao cunhado que fosse com ela, e a mim que tomasse conta do sítio. Creio
que, se não fosse a aflição, disporia o contrário; deixaria o cunhado e iria
comigo. Mas o certo é que fiquei só, com os poucos escravos da casa.
Confesso-lhes que desde logo senti uma grande opressão, alguma coisa semelhante
ao efeito de quatro paredes de um cárcere, subitamente levantadas em torno de
mim. Era a alma exterior que se reduzia; estava agora limitada a alguns
espíritos boçais. O alferes continuava a dominar em mim, embora a vida fosse
menos intensa, e a consciência mais débil. Os escravos punham uma nota de humildade
nas suas cortesias, que de certa maneira compensava a afeição dos parentes e a
intimidade doméstica interrompida. Notei mesmo, naquela noite, que eles
redobravam de respeito, de alegria, de protestos. Nhô alferes, de minuto a
minuto; nhô alferes é muito bonito; nhô alferes há de ser coronel; nhô alferes
há de casar com moça bonita, filha de general; um concerto de louvores e
profecias, que me deixou extático. Ah ! pérfidos! mal podia eu suspeitar a
intenção secreta dos malvados. - Matá-lo? - Antes assim fosse. - Coisa pior? -
Ouçam-me. Na manhã seguinte achei-me só. Os velhacos, seduzidos por outros, ou
de movimento próprio, tinham resolvido fugir durante a noite; e assim fizeram.
Achei-me só, sem mais ninguém, entre quatro paredes, diante do terreiro deserto
e da roça abandonada. Nenhum fôlego humano. Corri a casa toda, a senzala, tudo;
ninguém, um molequinho que fosse. Galos e galinhas tão-somente, um par de
mulas, que filosofavam a vida, sacudindo as moscas, e três bois. Os mesmos cães
foram levados pelos escravos. Nenhum ente humano. Parece-lhes que isto era
melhor do que ter morrido? era pior. Não por medo; juro-lhes que não tinha
medo; era um pouco atrevidinho, tanto que não senti nada, durante as primeiras
horas. Fiquei triste por causa do dano causado à tia Marcolina; fiquei também
um pouco perplexo, não sabendo se devia ir ter com ela, para lhe dar a triste
notícia, ou ficar tomando conta da casa. Adotei o segundo alvitre, para não
desamparar a casa, e porque, se a minha prima enferma estava mal, eu ia somente
aumentar a dor da mãe, sem remédio nenhum; finalmente, esperei que o irmão do
tio Peçanha voltasse naquele dia ou no outro, visto que tinha saído havia já
trinta e seis horas. Mas a manhã passou sem vestígio dele; à tarde comecei a
sentir a sensação como de pessoa que houvesse perdido toda a ação nervosa, e
não tivesse consciência da ação muscular. O irmão do tio Peçanha não voltou
nesse dia, nem no outro, nem em toda aquela semana. Minha solidão tomou
proporções enormes. Nunca os dias foram mais compridos, nunca o sol abrasou a
terra com uma obstinação mais cansativa. As horas batiam de século a século no
velho relógio da sala, cuja pêndula tic-tac, tic-tac, feria-me a alma interior,
como um piparote contínuo da eternidade. Quando, muitos anos depois, li uma
poesia americana, creio que de Longfellow, e topei este famoso estribilho:
Never, for ever! - For ever, never! confesso-lhes que tive um calafrio:
recordeime daqueles dias medonhos. Era justamente assim que fazia o relógio da
tia Marcolina: - Never, for ever!- For ever, never! Não eram golpes de pêndula,
era um diálogo do abismo, um cochicho do nada. E então de noite! Não que a
noite fosse mais silenciosa. O silêncio era o mesmo que de dia. Mas a noite era
a sombra, era a solidão ainda mais estreita, ou mais larga. Tic-tac, tic-tac.
Ninguém, nas salas, na varanda, nos corredores, no terreiro, ninguém em parte
nenhuma... Riem-se? - Sim, parece que tinha um pouco de medo. - Oh! fora bom se
eu pudesse ter medo! Viveria. Mas o característico daquela situação é que eu
nem sequer podia ter medo, isto é, o medo vulgarmente entendido. Tinha uma
sensação inexplicável. Era como um defunto andando, um sonâmbulo, um boneco
mecânico. Dormindo, era outra coisa. O sono dava-me alívio, não pela razão
comum de ser irmão da morte, mas por outra. Acho que posso explicar assim esse
fenômeno: - o sono, eliminando a necessidade de uma alma exterior, deixava
atuar a alma interior. Nos sonhos, fardava-me orgulhosamente, no meio da
família e dos amigos, que me elogiavam o garbo, que me chamavam alferes; vinha
um amigo de nossa casa, e prometia-me o posto de tenente, outro o de capitão ou
major; e tudo isso fazia-me viver. Mas quando acordava, dia claro, esvaía-se
com o sono a consciência do meu ser novo e único -porque a alma interior perdia
a ação exclusiva, e ficava dependente da outra, que teimava em não tornar...
Não tornava. Eu saía fora, a um lado e outro, a ver se descobria algum sinal de
regresso. Soeur Anne, soeur Anne, ne vois-tu rien venir? Nada, coisa nenhuma;
tal qual como na lenda francesa. Nada mais do que a poeira da estrada e o
capinzal dos morros. Voltava para casa, nervoso, desesperado, estirava-me no
canapé da sala. Tic-tac, tic-tac. Levantava-me, passeava, tamborilava nos
vidros das janelas, assobiava. Em certa ocasião lembrei-me de escrever alguma
coisa, um artigo político, um romance, uma ode; não escolhi nada
definitivamente; sentei-me e tracei no papel algumas palavras e frases soltas,
para intercalar no estilo. Mas o estilo, como tia Marcolina, deixava-se estar.
Soeur Anne, soeur Anne... Coisa nenhuma. Quando muito via negrejar a tinta e
alvejar o papel. - Mas não comia? - Comia mal, frutas, farinha, conservas,
algumas raízes tostadas ao fogo, mas suportaria tudo alegremente, se não fora a
terrível situação moral em que me achava. Recitava versos, discursos, trechos
latinos, liras de Gonzaga, oitavas de Camões, décimas, uma antologia em trinta
volumes. As vezes fazia ginástica; outra dava beliscões nas pernas; mas o
efeito era só uma sensação física de dor ou de cansaço, e mais nada. Tudo
silêncio, um silêncio vasto, enorme, infinito, apenas sublinhado pelo eterno
tic-tac da pêndula. Tic-tac, tic-tac... - Na verdade, era de enlouquecer. - Vão
ouvir coisa pior. Convém dizer-lhes que, desde que ficara só, não olhara uma só
vez para o espelho. Não era abstenção deliberada, não tinha motivo; era um
impulso inconsciente, um receio de achar-me um e dois, ao mesmo tempo, naquela
casa solitária; e se tal explicação é verdadeira, nada prova melhor a contradição
humana, porque no fim de oito dias deu-me na veneta de olhar para o espelho com
o fim justamente de achar-me dois. Olhei e recuei. O próprio vidro parecia
conjurado com o resto do universo; não me estampou a figura nítida e inteira,
mas vaga, esfumada, difusa, sombra de sombra. A realidade das leis físicas não
permite negar que o espelho reproduziu-me textualmente, com os mesmos contornos
e feições; assim devia ter sido. Mas tal não foi a minha sensação. Então tive
medo; atribuí o fenômeno à excitação nervosa em que andava; receei ficar mais
tempo, e enlouquecer. - Vou-me embora, disse comigo. E levantei o braço com
gesto de mau humor, e ao mesmo tempo de decisão, olhando para o vidro; o gesto
lá estava, mas disperso, esgaçado, mutilado... Entrei a vestir-me, murmurando
comigo, tossindo sem tosse, sacudindo a roupa com estrépito, afligindo-me a
frio com os botões, para dizer alguma coisa. De quando em quando, olhava
furtivamente para o espelho; a imagem era a mesma difusão de linhas, a mesma
decomposição de contornos... Continuei a vestir-me. Subitamente por uma
inspiração inexplicável, por um impulso sem cálculo, lembrou-me... Se forem
capazes de adivinhar qual foi a minha idéia... - Diga. - Estava a olhar para o
vidro, com uma persistência de desesperado, contemplando as próprias feições
derramadas e inacabadas, uma nuvem de linhas soltas, informes, quando tive o
pensamento... Não, não são capazes de adivinhar. - Mas, diga, diga. -
Lembrou-me vestir a farda de alferes. Vesti-a, aprontei-me de todo; e, como
estava defronte do espelho, levantei os olhos, e... não lhes digo nada; o vidro
reproduziu então a figura integral; nenhuma linha de menos, nenhum contorno
diverso; era eu mesmo, o alferes, que achava, enfim, a alma exterior. Essa alma
ausente com a dona do sítio, dispersa e fugida com os escravos, ei-la recolhida
no espelho. Imaginai um homem que, pouco a pouco, emerge de um letargo, abre os
olhos sem ver, depois começa a ver, distingue as pessoas dos objetos, mas não
conhece individualmente uns nem outros; enfim, sabe que este é Fulano, aquele é
Sicrano; aqui está uma cadeira, ali um sofá. Tudo volta ao que era antes do
sono. Assim foi comigo. Olhava para o espelho, ia de um lado para outro,
recuava, gesticulava, sorria e o vidro exprimia tudo. Não era mais um autômato,
era um ente animado. Daí em diante, fui outro. Cada dia, a uma certa hora,
vestia-me de alferes, e sentava-me diante do espelho, lendo olhando, meditando;
no fim de duas, três horas, despia-me outra vez. Com este regime pude
atravessar mais seis dias de solidão sem os sentir... Quando os outros voltaram
a si, o narrador tinha descido as escadas.
3 – Literatura
Escolha uma Cantiga do
Trovadorismo literário – Amor, Amigo, Escarnio, Maldizer. Escreva em seu
caderno apenas uma estrofe da cantiga. Indique o nome da obra e seu autor.
Escreva suas considerações – o que entendeu dela.
Enviar atividades para e-mail – lilibordinhao@gmail.com
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